terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Varais

Ela acabava de pendurar a última peça. Vai chover menina, avisou o pai. Nem intera uma hora a chuva vem e lava o seu trabalho. Guarda na varanda. Pendura no coberto. Assim refez o caminho que acabou esfregoso na ripa de pau do tanque de casa. O pau estava branco de tanto sabão. E as mãos grossas de tanto esfregar. Sem demora recomeçou despendurando, obedeciosa. Quando sentiu o primeiro pingo, sorriu esperançosa. Talvez as pré-visões da noite de natal feitas por seu pai também caíssem com um céu qualquer, num dia, de uma tarde nuvosa.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Porque nem tudo é sexo, né?

..." Até que sua boca se encheu de saliva. O vento empurrou a porta do quarto. A tranca rangeu um som lindo. Ela levantou-se e ficou mexendo com a porta, pra lá e pra cá. "Que som lindo!" Havia conseguido compor uma música: letra: Brumário; melodia: inheque, inheque, inheque, inhequeque...

O vento insistiu. E começou uma resistência entre a porta e a força que ela fazia com a suas mãos. Isso alterou o som de um jeito que não sei explicar. Parecia constante a sensação de força que resistia a um movimento seu. O que cansava o seu corpo, que agora não sentia. Por isso era bom o cansaço, era um sentimento que retirava os outros do seu corpo. Então por que esta sensação negativa em relação à resistência que o mundo fazia sempre em que ela estava pertencendo. Se no final era o cansaço que vinha, amplidão sem som. Paz sem vida. Completo. Parecia morte, mas era bom. Parou com a música e deitou-se. Acordou um século depois no seu interno tempo de ontem.

Uma joaninha saiu de dentro de seus olhos. Saiu fazendo cosquinhas, descendo pela sua face, passando pelo seu pescoço, até chegar à sua barriga, ela a seguiu com o olhar, rindo do movimento frenético de suas patinhas. A joaninha alojou-se no seu umbigo e ali ficou, adormecida. A porta fizera-se de pausa, Brumário esfacelou-se no ar, a música se perdeu. O tempo movia-se viscosamente, grudando-se nas gentes, marcando-lhes a face. Tinha sono, mas era incapaz de dormir, seu corpo soluçava algum recomeço de vida.

Era fumaça no seu pensamento e se espalhava naquilo que conhecia realidade. Esquecendo nela uma herança do nada. Por isso a música sempre voltava como lembrança. Os parques as praças as joaninhas que andavam por ela. E no meio tom aquela música que perseguia. E seu corpo, quando voltou para aquele instante não era seu, não podia ser. Ocorria que uma moradora vermelha com pontos pretos tinha tomado a posse e bem ali no umbigo. Sua ligação com o mundo devia passar por lá. E a esperança morria ali todo dia. Mas a joaninha não se dava conta. Ela pensou avisá-la, desistiu. Gostava da cócega que o jeito de andar da joaninha lhe fazia. Lembrou-se do vizinho o homem-galinha. A sua mão virou seu rosto e começou a fazer um carinho como se não pertencesse ao mesmo corpo. E ouviu: ‘amor, descanse’.

Nunca ouvira um trovão, mas de repente o amor se instalou nela, abrupto, pum! Seco, sólido e poroso. Amou a joaninha, como todo amor mortal, com sede de infinitos. Amou até o fim, com amor de aumentação. Como amou! Sabia quantas pintinhas tinha, quantas patinhas, sabia do movimento das anteninhas (joaninha tem anteninha, dani?). Mas houve um dia, sempre há, houve um dia que ela quis beijar a joaninha, ah! Pobre, abraçou pobrezinha e quando desabraçou ... ah! Não quero falar.

Nem eu. Somente ouvir o som do meu desejo nascer saudade. Porque tudo acabaria naquele momento. Ou no anterior quanto desejei que seria para sempre. E tentei absorver e dar sentido a forma como a joaninha andava em mim. Pobre joaninha começou a existir só para satisfazer meu desejo, cruel eu fui. E ao mesmo tempo por que amar logo a joaninha, tão tranqüila, que viveria tão bem a sua vida até sempre que fosse. E eu um ser sem sentido amando uma joaninha. E rompendo o seu corpo. Estilhaçando a sua couraça de proteção que era pura beleza. Num abraço que (não) deveria ter fim. Naquele 'fim' instante estava tudo acabado.

*você. e acho que eu. ou o eu que arrancou de mim.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A mãe trança os cabelos. A menina caminhava com a cabeça pesada de trançar. Lembra da igreja que passava logo de manhã. Antes das sete para o caminho da escola. Sobre seus pés tirinhas de couro a roçar. Corpo miúdo ainda com tranças grandes, que pesavam, com uma certa dor ardida da lembrança do descabelar. Demora o caminho na lembrança. Era de café com pão, feita a despedida. De tantos passos a chegada, sem música e muita encruzilhada. Os cabelos nas enxurradas de ventos que não os tiravam do lugar. Tiritavam os fios. É uma arte trançar. Alegre não era, nem triste estivera, nem lembranças da demora, por hora só sabe que agora parece a trança essência dela. Não vai chorar? E não tem dança. Tem nariz de menina e queixo enrugado de um choro apertado de medo de apanhar. E de andar sozinha nas ruas que pareciam grandes demais. Com a boca tapada das nove ceras de um altar. Parece que a cera é da menina. Mas não é. As velas que queimam as promessas derretem a ceras e colocam tudo no lugar. Pernas pequenas que refazem caminhos nem tão longos assim. As sensações de mim. Puxa para cá, puxa pra lá. E a trança se faz no balanço de um calcanhar. Que dor dá essa brincadeira de trançar. Cabelos presos na destreza de mãos a entrelaçar pedaços de nós. Como dói meu couro cabeludo de pensar. Escurece. E, os pés, os cabelos, os novelos, os fios, as roupas coloridas, as grades, as janelas, a calçada, as minhas mãos, as brincadeiras, os joelhos ralados, os queixos perfurados, a língua beijada, as pernas amputadas, o sexo empalhado, o lápis não usado, o caderno sujado, remontam meu jeito de andar.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

todas as mulheres gostam de apanhar. todas não, só as normais. nelson rodrigues

depois de tanto ativismo:
números;
descaso;
e mulheres, como eu,
(nada) normais!

http://benandanti1.wordpress.com/

medores

Teve um tempo o medo. O medo teve o tempo. E o tempo se fazia menor, por medo. E o medo teria de ser maior, por menores que fossem meus medos. Era quase um suspense para ligar o que queria dizer, então não, pra não dizer o medo. Maior quando não dito. Somente tido, ele a mim. Por dizer, menor, explícito. O medo era dono de mim. Sem ele não existia, por medo de existir. Mas tudo isso em mistério. Porque senão seria (des)medo. Dez (medos) listei, forte, com a caneta. Hoje não senti medo. Pois nunca duvidei do medo. Desisto, (des)existo. Não era erro, era um começo que nunca começava. Mas a demora sabia. Comece medo porque nunca vai ter fim. E a demora ficou dona do medo. E neste mandava, implacável. Quando começar nunca mais terá medo. Agora toda vez que sinto lembro-me do primeiro sentimento: ‘o medo’. Outros vieram a comer na mesma mesa. Uns dominados, outros dominadores. O certo é que o medo me guia. Refere-se a mim. Então, agradeço ao medo que me pariu. Agradeço ao medo por fazeres (a mim) sua senhora, amém.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Pau D'Alho

Eu me lembro do terreiro, das carriolas abarrotadas de galinhas mortas.

Lembra mãe?

(parece que eu escutei a fala da vovó na sua voz

'filha você lembra de cada coisa.'

nós quatro temos a mesma voz:

Maria, Daniela, Carolina, Juliana)

Era alguma praga daquelas que passam e matam.

Ou daquelas que precisamos matar antes que nos mate.

dos remédios aos pingos no bebedouro delas.

E das valas. E do cuidado para o mal não se alastrar.

Lembro que vocês doavam leite, pai e mãe.

E que naquele ano, da praga, alguém passou fome.

Lembro do flamboiã,

Das cadeiras, dos livros,

Daquela sombra fresquinha

E de estudar histórias com você. Mãe, lembra?

Eu tinha medo de não entender.

Lembro do mutirão das uvas. Nossa como é delicado plantar uvas.

E do tempo dos alhos, a casa ficou em frangalhos

E a sala virou santuário de envasar nosso trabalho,

Bugalhos, alhos, atalhos

tudo misturado ao cheiro forte do lugar

Tudo para eu estudar,

E ir embora de casa.

e voltar no final do ano

com saudades de Pau D'alho.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Capítulo, 12

Não, eu não queria falar, nem muito menos esquecer. Escrever, então, pura automação. Insatisfação. E, no entanto há tempos não olho para dentro de mim. E quem quer saber? Quanta masturbação faz para viver. Viver é pouco para quem quer saber. O melhor é não saber. Porque irá morrer. Viver é pouco para quem quer saber ? Um susto para quem não quer. Um surto para um cego-surdo que ouve e vê. O melhor é não saber. Irá morrer. Um dia, uma febre, uma noite, um enjôo, uma manhã, um desmaio, um banheiro, uma friagem, um sei lá o quê., Vai acabar por doer. Que vida besta que nos põe a morrer. Morre-se para viver. Converte-se para não saber. Eu. Eu tive medo de dizer. Eu ouço música. Eu leio poesia. Eu reclamo da vida. Eu faço sexo. Eu deito no divã. Eu me sinto incomodada deitada lá, acho a posição desconfortável. Eu bebo. Eu como. Eu até imploro por mais vida. Eu choro a minha, a tua, a ferida. Eu adoro clichês. Eu tenho ferida, e quem quer saber? Meu corpo doe(dói). Esta noite mesmo acordei com dores. Será que foi mal-olhado, mal-desejado, mal-falado, mal-fodido? Talvez. As dores existem. E são lembranças. E são reais. E são na carne. Ontem na oficina que conserta coisas esperei por quatro horas. E por esperar você me abraçou por três. Beijou. E tocou meus seios por uma. E as horas me olharam despenteadas. E mal ditas encararam o tempo e pediram por mais vida.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A mão áspera passava essa leitura, sobre a minha pele fina, com voz rouca, silábica. Lábios massageavam as linhas. Aviões no lugar das palavras. E línguas escrevem nos seus pelos frágeis. Talvez descrevesse um instante qualquer só para parecer poesia. Mas a sarjeta que quero traduzir não salta de mim em versos afins com o mundo. Sim, foi porque um silêncio da amanhã de ontem me matou docemente. As águas cairam em mim e a lama me soterrou, agora presa no limbo da minhas vontades. Que as lágrimas se dissolvam em palavras vendáveis. Presas em capa dura e preta. E que a felicidade se ocupe do seu prestável lugar. Pois a infelicidade é certa num mundo de gente que quer ser feliz. Pense? Uma precisa da outra para existir. Ninguém se ocupa do nada. O atraso só olha pra frente. E a gente? E o adiante vem (de traz.) E ainda assim Rilke continua alemão. Adianto. E no meio, das frases, palavras de alguém a soltar aviões no céu da minha boca.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Capítulo, 13

Penteou os cabelos do lado esquerdo com gel para ficar com um aspecto molhado. Com esperança. Procurou no armário aquela camisa que tanto lhe dava segurança. Não achou de pronto. Não iria perguntar onde estava não convinha. Optou pela cor azul calcinha. Tantos momentos bonitos passados na cabeça vestindo aquele uniforme de recrear. E ela sempre dizia que ficava mais jovem de azul. Vestiu, olhou, avaliou. Colocou por dentro da calça. Tudo bem, pensou-se. Aprovou. Naquele dia adiantou os relógios para sair sem que ela o visse. Embora fosse dela a força arrancada daquele algo estranho na rotina. Algo desprendido do óbvio. E tão óbvio. Não passou. Desapercebeu. Todos comentaram seu aspecto diferenciado naquele dia. Talvez não tivesse coragem. Não queria ter coragem. Nas cenas do intervalo reproduzia frases absolutas que definiam a não-ação já calculada há meses para este dia. Mas seus pensamentos ainda procuravam por respostas aos atos. Indagava no comum dos acontecimentos rotineiros suas inseguranças. Pura loucura. Pensou nela adormecida. Desavisada das escolhas dele. Isso vez doer. Descansou essa idéia. Olhou o relógio: duas horas para o encontro. Gelou a espinha. Desperançou-se.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

peças íntimas, cenas públicas

-


Ela acabava de escolher a última peça, lilás, sem renda, e com um tecido moderno, que absorve o odor.

- A senhora vai ver mais alguma coisa? Um sutiã, um baby doll, quem sabe uma peça mais sensual. Para ficar bela para ele.

- Minha mãe não usa sutiã. Ela faz parte daquele grupo que queimou os sutiãs. Já ouviu dizer, as feministas?

Num instante o Bruno se apropriou da conversa. E continuou num fôlego só.

- Então, eu participo das reuniões do coletivo junto com a minha mãe. Patriarcado? As questões de gênero. Sabe? Ela não usa, nem adianta.

A mãe que escorreu por um corredor a selecionar uma peça íntima para prova, se fez de surda. E se desfez no meio do predominante vermelho, cor-de-rosa, e marrom. Acompanhando meio que distraída, decidindo com a atendente, qual seria a peça a ser provada.

Ele continuou ao som dos: aham, hum, ahh!, Da mocinha da loja. E algumas vezes com o balé de sim, que esta fazia com a cabeça.

- Então, eu sou o único menino da quarta série que tem pais separados. E o único que a mãe não usa sutiã. Meus amigos acharam isso muito engraçado quando contei. Ah! Deixa eu te falar: nós lançaremos um livro, uma coletânea de textos no fim do ano. Quer ler um trecho da minha redação?

E prontamente, certo do sim, foi até o provador onde a mãe estava e pegou da bolsa o rascunho num papel todo amassado.

E começou a leitura:

- "Um menino chamado Pedro estava em seu sofá entediado sem nada para fazer, tinha uma vida dura, seus pais eram separados e sempre..."

No meio da leitura a mãe perguntou por um número maior da prova. Com a negativa começou a se recompor. Voltou até o balcão e propôs:

- Vocês têm algo entre a opção mulher fatal e/ou à linha teen para meninas, e/ou a cor de pele para senhoras?

A moça estranhando a pergunta e notando a irritação da cliente respondeu:

- Na loja não temos nada.

Seca,

Pagou a conta e saiu:

Calada;

E irritada.

O filho na saída perguntou:

- Mas mãe o que seria ‘algo entre’?

- Ah, uma opção “mulher normal”. Algo que nem aperte muito, mas também que não afrouxe displicentemente. Que me dê conforto, amor.

- Nossa. Nunca pensei nisso. Seria um grande negócio para as empresas que fabricam esse tipo de roupa: lingerie para feministas!

A caminhada durou mais alguns passos até chegar o ponto de ônibus. Internamente ela sorriu ‘amarelo’. E seu queixo enrugou como de costume.

- Você está triste, mãe?

- Só cansada.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Qualidade de secura. Hoje nasceu refletida. Acordou assim branca. Sentiu um aroma que vinha do seu lado esquerdo. Era novo esse cheiro. Parecia dela, mas não conhecia. Sua pele parecia impregnada de mar. Colou uma presilha no cabelo. Prescindia de cor. No escuro do seu corte. O vermelho não se apruma. Dores que evita. Vida que não vinha. E o cheiro aumentava. Era fresco como o começo do ano. Era o esquecido dos dias. Do passado que na sua cabeça ardia sem existir. Do tempo atrasado que ela sentia, mas não sabia, convinha. Ou do uso daquilo que não te pertence, das roupas que empresta e usa com a lembrança do outro. Era tão insegura. Segura do que não era. Lamentava aquela presença sempre que se ausentava. Porque assim podia se ver. E parece tão vazio o lugar daqui. Tão sem sombras de talvez. Tão certo. Tão feito de obviedades. Tão desprovido de amor. Tão claro. Uma mistura de verdades deslocadas. E invenções próximas do que sou.



("olhos que chamam")

Você é injusto, sujo,

Mentiroso, sua pele é podre.

E, é maltido entre os santos da minha vida,

Por que reprime esperanças. ?

Que salta do nada viscoso da lembrança

Embalada por suas mãos

Que nem sei o que querem,

(querem estar vazias.)

E fico lesa

Te odeio,

Porque pensa poder saber de mim,

E te esqueço com apego

De um corpo que nem sei,

:canteiro:

De obras de um não-amor

Que você sempre soube, justo.

E tem mais: me cansa com a sua beleza.

me enoja com seus dedos imundos tocando minha pele lavada.

você fede, não toma banho

dorme com a roupa que veio da rua,

me traz flores murchas,

não cuida de mim

afetos frios

fingidos de doce

tudo tão poeticamente feito,

tudo para me enganar,

tudo tão fantasia...

e eu nas tuas asas de cera.

foge;

se esconde detrás do sofá,

você bebe,

você me prende no seu jeito de deixar tudo solto,

não sente prazer,

me usa,

se dá e não se entrega,

está morrendo de vida,

tem outras mulheres,

me faz sentir só mais uma...

me destrata e não me bate,

não me xinga e me agride,

você se faz de besta,

me corrói,

quer meu corpo, só

chora

e não soluça, embora.

vou embora! Ponto.



Fim

(esta tem parceria musical!, felipe)

sábado, 5 de dezembro de 2009

Sonha, sonho


"Ele organizava os papéis cuidadosamente como se fossem tesouros. Revirava e corrigia quando necessário, seus movimentos eram suaves, parecia dança, uma dança de gestos comuns. O som saía do toque nos objetos que o cercavam: os papéis, a mesa, as canetas, o telefone, a cadeira giratória, a impressora. E o silêncio vinha das palavras impressas, intangíveis."

De repente despertou. Desnasceu pra vida. Havia adormecido no sofá, olhou o chão da sala e viu as imagens de um caleidoscópio, as sombras do sol refletidas por sua cortina colorida. As cores giravam e transformavam as formas com o vento. Sonhei com ele, com o músico.


Foi até o quarto. Em suas mãos o rascunho da carta que havia enviado meses atrás:

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

te digo sem por quê.

(picasso)

me disse num verso simples
apartado de um todo: poesia.
ampliou-me na sua síntese
face alheia
não decifrou, nem devorei
descristalizou-me
(tuas palavras são punhais a desossar minha carne)
conjugou-me verbos sem tempo
e sem língua
escreveu frases inteiras dentro de mim:

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Capítulo, anti-penúltimo

Não. Não, não sou nada disso. Pensou que pudesse, ao pensar entristecida, colocar as coisas no lugar. Se uma impressão equivocada, por ele feita, não tivesse tanta importância. Se o coração não crescesse de sentidos com uma ideia de homem que ele fazia nascer, ou talvez, se uma crença naquilo que ele insistia em ver, transformasse sua história. Não perderia tempo escrevendo isso. A sua essência era entregue como quem corta a carne e vê o sangue jorrar, sem som. Então calou uma vontade límpida de colocar tudo no lugar. E falou o que pensava sobre o que ele pensava. Mas agora o pensamento lhe importava mais do que tudo, menos que nada. E organizar esse pensamento em pontos de luz que enquadrasse uma fina vontade de somente existir, e isso é ele. Essa parte aqui., não sei dizer o que senti, não disse o que senti com clareza. Porque não sei. Ou melhor, o que ficou em mim do que pude sentir dele. Não, não falei. Porque quando disse não fui ouvida. Fui aspergida. Encabulada na sua falta. O sobressalto de laminas cortante de outros que existem, e são homenageados por isso, é muito mais importante. E a leitura é feita de tantos outros que é impossível existir num mundo que preza tanto a existência em varais alados de sangue de outras ideias. Não, não quero entender, nem traduzir. Quero o secreto de cada um, no óbvio do sentimento marginal, que descaminha as minhas sobras. Sentiu no final um jeito desconsertado de se perceber, dele se auto-perceber, lutou junto dele, para que ele pudesse no limite não se aventurar a nada, a nenhuma sensação que pudesse constranger. Coisas que não são reais, que são impressões de mim (eu) refletida em algo que não toma forma. Eu invento pra fugir, mas finjo que estou pra não partir de vez. Depois, no outro dia, logo pela manhã, retomou o diálogo e capturou das palavras, delas tirou muito mais do que aquilo que estava expresso nas suas primeiras impressões. Ele vê beleza na minha fome. E mata a sede, que nem sente, nos cantis da minha solidão. Num abismo comum.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Homilia

Dizem que foi José, de nome José que se apaixonou por Maria, pobre Maria. No sul da Itália. E saíram. De necessidade. Fugidos de lá. Por que na essência dos frutos que produziam existia tanta diferença que o melhor, dizem, era vir pra cá. Dizem que chegaram e inventaram essa história. Reinventada por tantos outros. E agora por mim mais uma vez. E dizem não ter fim à quantidade de vezes que foi cantada para explicar o fim. Dizem que não tiveram medo. Chegaram e foram vivendo a vida no interior de algum interior. Dizem que o melhor a fazer é escrever com lógica para que todos te entendam. Dizem que família é aquilo que forma a gente do começo ao fim. E a gente peleja o resto da vida para sair de mim. Bom, dizem que o começo foi assim. Contado assim. Como história de amor que não tem fim. As histórias que se seguiram a essa eram diferentes enfim. Dizem que o filho de José morreu com um medo sem fim. E de tantos Remédios, que sem precisão tomou por fim. Dizem que era uma doença na garganta destas que na época não podia falar o nome. De existir. Dizem. Os bares da vida serviram de palco para por um fim. Os Remédios rezavam por entre os cemitérios a algum santo que talvez lhe curassem um mal da pinga que lhe estragava a família do começo ao fim. Dizem que os homens vivem na rua. Dizem que mulher mija em pé. E recolhe sozinha. O sustento com revolver na cintura. Dizem. Tem muito ponto final no que escrevo. Dizem que é fácil escrever uma história depois que se viveu. Difícil é escrever a que vai viver. Foi um homem que disse da mãe que nem morta queria mais ver. Dizem que ela o queria ver para matar a curiosidade de saber, antes de morrer, se de fato não usava mais trato de outros modos para viver. A pinga. Dizem que mesmo morta, e isso eu vi, parecia comandante de tropa a dar ordens a todos. Dizem. Essa mulher apanhou. Do homem da mesma família da mulher que bateu. Mas dizem que ela batia porque queria que os homens não fossem ao bar. Embora, dizem, que lá é o seu lugar. Dizem que um dia ele tomou coragem, a pinga, e dizem, eu vi, tentou com punhal matar aquela mulher. Dizem que não foi à primeira vez esta que vi. Era natal. Véspera. Vez espera. Exaspera. Dizem que crianças não devem ver isso. Crescem traumatizadas, dizem. Dizem que famílias traumatizam. Dizem que este homem passou o Natal sozinho. Sentado na varanda. Dizem que uma criança vestida de menina ficou olhando para ele. Sentiu pena. Dizem. E curiosidade da solidão da solidão de um homem que queria matar alguém. E dizem que não foi preso. Sua condenação foi àquela varanda. E o olhar de medo daquela criança vestida de menina. Dizem que ele viu essa menina pouco antes de morrer. Dizem que ela levou uma flor, certa vez, para ele. Dizem que essa menina ainda existe. Dizem que é bela a primeira história desta história. Dizem que é uma história de amor. Dizem.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Capítulo, sete

Certa vez ouviu alguém dizer que o silêncio era sempre paz. era uma meditação onde o vazio de palavras nos levaria até deus. Mas o silêncio dela trazia eco de palavras caladas, não porque não existiam, mas porque não eram ditas. Como andar num cemitério, ali aonde tudo acontecia, o silêncio era feito de um respeito autoritário, que vinha do medo, mas se recriava pelo receio daquilo que não entendia.

O tema da manhã era o silêncio. Ela teria que escrever algo sobre o silêncio. Queria começar com uma frase de efeito: "O silêncio diz mais que mil palavras." Mas isso não era frase de efeito, apagou. Pensou, pensou, pensou...nada. Só pensava no filme que havia visto aquela tarde. Um filme assim, assim, tema batido, mas que toca, assim, assim. "Falar do silêncio". Achou melhor ficar quieta.

Daí, ela se atrapalhou toda e diante do tema fez o inverso. Começou a escrever, ‘barulhentamente’, um texto atrás do outro. Barulho, compulsão. Nem sentiu. Vomitou tudo como quem tem prazo de validade e precisa terminar a vida e entregar a quem de direito tiver o quê, melhor que ela, fazer com o que viver. Estava sentindo dores no estômago. Queria ir embora de mim a qualquer hora, desde que fosse agora, sem muita demora. Na verdade essa ansiedade começou no momento em que ele, não queria falar dele, propôs a ela, pensar durante um ano, é, exatamente um ano, em uma poesia que escreveria. Ela entregaria, no prazo de um ano, 14 de novembro de 2010, uma poesia, que segundo ele, deveria vasculhar no mais profundo dela. Então sentada na cadeira de área, que ficava na cozinha, pensou inquieta, o que sairia dela assim de tão profundo que talvez demorasse um ano? Nossa! Isso a incomodou profundamente. Não teria coisas lá tão profundas dentro dela. Lembrou-se do que ele sempre repetia: não é doçura que vejo em você, é profundezas.
..."Não é força que vejo em você, é coragem; não é inteligência que vejo em você, é sabedoria; não é resignação que vejo em você, é paz; não é saudade, é amor; não raciocínio, é inspiração." Falou isso, ela riu. sorriu."

e dormiu. porque toda vez que a felicidade vinha, a tristeza se erguia. e a lágrima não a esquecia. "É foda", pensou. Era o único xingamento que se permitia.

*eu, você (Do lado de lá)


quarta-feira, 25 de novembro de 2009

eu queria tomar um sorvete na praça.
é?
é simples
assim:

terça-feira, 24 de novembro de 2009

rede de balançar - (me-ninou)

sobre mim
uni versos
sem ti.
sob
e ira e beira meu corpo casa nua.
na lua vertigens,
vazia e tua.
lia na soleira,
esteia(me)
na teia que tece em minhas veia(s)
enredado,

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Capítulo, penúltimo

A crítica neste mundo vem antes da obra. É o mundo da ejaculação precoce, sem cócegas, de gente nó, cegas. Das idéias abortadas. Dos finais sem certos começos. Da desordem. Do certo e do errado. Do medo. Do receio da vida. Do status e das feridas. Das dores sem par tidas. Dos ultimatos. Das mortes que nada significam. Dos desejos que tudo explicam. Da prenhez de vontade. Das palavras pré-julgadas. Das regras gramaticais, das regras. De falhas soberanas. Imunda a perfeição mundana. De sujeiras necessárias. Óbvias num mundo asséptico da cura. Escuto comumente, como mentem, sobre a impossibilidade de vida, de certezas, de saídas. Comovente. Como ventre preciso respirar vida. Vi da já nela. Vejo muitos técnicos projetando. Amplificando vozes sem vida. Restaurando coisas quebradas, consertando, enquadrando as feridas. Ou as pessoas estão erradas. Ou ignoram o melhor a fazer com suas vidas. Sempre. É o que vejo. Corretores de “esses” dos finais de um discurso, nas palavras pronunciadas pela metade, por incerto, palavras sem cio. Inseguras palavras em boca de quem não é, porque se ocupa em não não-ser. Todavia, toda vida.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

bem-incomum.

escolhe com tanto preciosismo as palavras
e elas se atiram no precipício
do fim da linha.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

'Duas da Madrugada'

(...) ‘pode ser esse lado do travesseiro?’

-‘ num sei, vou tentar (...)’

- ‘deu?’

-‘ ainda não sei! eu queria trazer meu paninho, mas minha mãe disse que era para eu ser gente grande.’

-‘entendo. quer que eu continue a história?’ e aproveitou um sorriso.

- ‘sim’

Era a primeira vez que Gabriela ficava dias e noites em casa. Pousava. Ela morava em Santa Cruz do Rio Pardo, região de Ourinhos, os pais nunca foram casados, e agora ela convivia com duas famílias.

- ‘parece que está amanhecendo né Dani’.

-‘ sim querida. oh, tenta essa ponta do travesseiro, vê se dá!?’

- ‘será que já amanheceu, Dani?!’

-‘ num sei querida!’

-‘tô com saudade da minha mãe.’

- ‘eu sei. e todo o dia nesta casa esta semana, te prometo, amanheceremos saudade.’

-‘você não parece mãe. você sabe cozinhar?’

Foi à pergunta mais difícil que eu respondi na vida! e a Gabriela só tinha 7 anos. Ou melhor a ‘Su’ como gostava de ser chamada pela mãe.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

diegho...
no absurdo,
surdo (.)
e cego do céu,
que alucina pelas cores
amanhecidas nos céus olhos.
(lilás, azul, vermelho)
aquareláveis! estampados na sua retina.
obrigadani
ps: não con-sigo comentar no seu blog. vou chorar..rs, então resolvi postar aqui, por um dia muda-rei o nome deste lugar.
Esqueço. Azul mente quando adormeço. Desapareço, porque falto nos lugares e horas marcadas.
Adoeço. E perco a memória por entre os medos. Sim, encontro nas ruas perdidas de algum começo. Solicito endereço.
Pré-medito. Te como por entrelaços, desapareço. Ampulheto.
Tempo. Dou tempo, lavo o tempo, escorro o tempo. No brilho da louça lavada solta por entre a peneira. da varanda da casa da minha vó. Memoro.
Atraso. Só chego na hora certeza na rotina de um Pedro.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

vento(e)velas
apagadas pelo tempo
susssurradas por horas
alçadas pelas mãos
navegam
e morrem
numa chama,
ventonia (suave sinfonia),
que resta, levada pelos ares de talvez ainda
uma esperança
uma espera criança (.)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

céu de hoje.

lápis vermelho na mão,
a corrigir os trilhos nos vãos.
lapido-me em rascunho apagado de tempo, incerto o correto que quero de nós.
leve de imprecisões,
digitais impressas de fogo: suor amargo que caminha a fé pela pele
salgada do dia de sol (;)
trabalho; cansaço de horas passadas a marcar o tempo ponto
expio-me no amanhã: Cuido-te de ontem: hoje.

domingo, 8 de novembro de 2009

capítulo, sete


Ela só sabia que devia fugir. Inexplicavelmente tinha que escapar, abrir uma brecha no espaço e passar por ela para um outro plano. Por medo e mais ainda por insegurança, não se sentia capaz ter qualquer coisa. Sempre havia desprezado tudo, nunca fora capaz de ter nada por muito tempo. Quando criança, desmontava todos os brinquedos e depois os jogava fora, cansada de tudo aquilo. Não tinha explicações, apenas sentia que não podia possuir nada, nada, muitos menos brinquedos caros.
Visualizava um brinquedo, uma boneca de pano que sua avó lhe fez, toda colorida, alegre, que um dia passando por uma ponte em uma viagem que fizera com seus pais até um país vizinho do seu. Isso. Era uma ponte que ligava, ou melhor, separava países, resolveu em um soluço abandonar a boneca. Uma certeza adulta que só criança tem de deixar para trás aquele pedaço de alegria porque assim devia ser, traçado de um rio. Num relance olhou para todos os lados e jogou a boneca no rio imenso, obra do destino de águas que não pensam somente passam e mudam o rumo, porque assim deve ser, o rumo de um rio que ainda não foi trançado por ninguém. Que cena bela essa da sua vida inesquecível. Depois disso foi tomada por uma vontade de ser atriz e achava que levava jeito para cenas dramáticas. Os anéis de doces, os pedacinhos de brinquedos queridos, eram deixados em lugares, atirados em rios, esquecidos em sombras de árvores. Com o tempo percebeu que não era desapego abandoná-los, e lembrava sempre da boneca de pano, essa que a fez perceber, naquele dia, que o desejo de jogar o que era seu, na verdade traduzia em rascunho uma vontade de deixar um pedaço dela em cada lugar, como se para ampliar tua existência. Ela abandonava-se para pertencer ao mundo, e o mundo a ela.
*primeiro parágrafo assinado por: Do lado de lá

A lida.

o livro foi convidado por um convidado para fazer parte da sua estante.
ele estava na estante de outros dias.
moroso, chegava a ser calmo.
batida sem presa pegou
livro na mão; pé no chão.
cabeça no vão;
tábua amplia o pão
na mesa do pobre: coloca as horas como se fosse café amargo.
queima a língua e amarga a próxima bebida.
dias se vão, passam com muita explicação
e o livro na estante. olhado, amarrado
por lembranças das primeiras palavras lidas:
precipícios de frases
soluços na linha, pés tropeçam nas vírgulas
e o próximo dia espera a lida.

sábado, 31 de outubro de 2009

publicar-se.

publicam:
contos, crônicas, ideias
poesias
em lugares papéis,
editam postagens, moderam comentários
comentam os textos, literatam(-se,)
as pessoas.
nas janelas abertas para rua
há conversas longas debruçadas no dia (...)

sábado, 24 de outubro de 2009

eu não escrevo, nunca.

quero esquecer
para que nunca mais saia de mim.

quero o amanhã para
que o hoje não exista

quero o horizonte
para não mostrar nada além de mim.

quero o sentidos,
céu de nuvens brancas
para brincar de talvez.

quero o para sempre
para morrer todo dia.

quero o agora

terça-feira, 13 de outubro de 2009

colore o corpo

ressecado de vida:

distância maltrata o caminho de hoje
colorido por pés.
da angustia dos trilhos que inexistem
lembro que de tão passageiro
todo instante é interno, eterno.
sentidos expostos
a nervos sobrepostos.
sons
que gritam
amplificam a carne -
teus ruídos.
e o sangue brota vencido (,)
de força breve.
no silêncio monstro de homem esquecido no tempo.
joga as frações de horas inventadas
nos caminhos sem por quês.
que se acostumam de nós.
Prever
Ver,
o que (não) sou eu
me acalma.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Confirmado Recital.
Hoje às 20:00 'horas'
Convides retirados:
4, (...)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Ele chegou todo sorridente como de costume. Fazia alguns meses que não se viam. Desde que o seu Inocêncio decidiu que ficaria mais em casa as conversas haviam diminuído e os encontros também. Sua amiga ficou muito feliz com a visita e foi logo convidando ele e sua esposa, pois sabia da paixão de Renati por piano, para um recital que aconteceria em breve na cidade. O Sr. Inocêncio puxando uma cadeira já de pronto disse que não poderiam ir. De uns tempos para cá estavam tristes, os dois, e ele queria conversar sobre algo que aconteceu no dia anterior, o que ficou claro com o tom da sua chegada. Fez as perguntas formais de sempre e começou uma conversa que aparentemente não chegaria a lugar nenhum. Contou dos filhos, netos e da sua senhora. E perguntou do filho, e de um quem sabe namorado que o mesmo torcia para que a jovem amiga encontrasse tanto que era uma pergunta freqüente. Depois falou por um tempo da política local e enfim entrou no assunto principal. Eles eram amigos há uns 5 anos, desde que dividiram a mesma sala no trabalho. As suas conversas eram prazerosas e demoradas. Começou narrando sua ida na tarde do dia anterior a um médico na policlínica. Disse que estava marcada há exatos 2 meses.
- Sabe, dona Dani, há dois meses marquei essa consulta e eu um homem de 78 anos a cada dia que passa, mais sinto, que vocês jovens tem de torcer para não viver tanto. Acompanhe meu raciocínio querida o médico fica no posto por quatro horas, durante esse período ele também atende os ‘pacientes’ do hospital, pois a cada meia hora se retira e vai à sala ao lado. Ontem de todos os que esperavam o atendimento, umas 42 pessoas, 80% eram idosos como eu. Cansado de esperar resolvi reclamar para a atendente, foi então que com um pouco de argumentação ela me contou quem eram os pacientes do hospital e que me passaria na frente dos demais por conta da minha idade. Eu disse a ela que não era necessário, considerando que a maioria ali fazia parte deste grupo, e que gostaria apenas de fazer uma reclamação. Ela sorriu e apontou o telefone da ouvidoria.
- o senhor ficou quanto tempo lá?
- Três horas.
- e quanto tempo durou a consulta?
- um minuto e trinta. Mas o médico era muito bom, tanto que acertou o remédio, disse que o mesmo agiria como um reboco, porque estou com artrose, te contei?
- Não. Me contou que dona Renati estava com artrite.
- Sabe dona Dani eu fiz os cálculos. O médico trabalha 4 horas por dia lá no postinho, se ele atender por 5 minutos cada paciente, serão em média 48 pessoas por dia. Claro que aí você tem pausas contratempos etc... Mas em média imagino que seja isso. Considerando a energia e vitalidade de um rapaz de 35 anos. Mas veja você à atendente me disse que naquele dia estavam agendadas 80 consultas. Lamentável, querida... Não sou dono da verdade. Mas não acha que algo está errado?
Percebendo os olhos do Sr. Inocêncio pela quarta vez encher de água resolveu mudar de assunto.
- Acho. Mas, mas me conta a dona Renati como está? E o piano, ainda toca?
- Não, a dona Renati, quer dizer a Renati anda sem tempo para as coisas que gosta. Além disso, ela sente dores nas mãos.
- Ah... Se quiser retiro os convites para o recital? O que acha?
- Melhor não. Bom, tenho que ir e não quero mais tomar teu tempo. Até logo, querida. Desculpe o desabafo.
- Que isso seu Inocêncio é sempre bom te ouvir falar. Semana que vem o senhor me conta aquela história de quando encontrou o Jânio quadros e de como ficaram amigos? E de como era bom ouvir o português corretíssimo dele. Ou quem sabe aquela sobre o prédio do Dops. Eu contei que conheci a neta do Abreu Sodré? Nossa seu Inocêncio ela me contou coisas interessantes sobre a ditadura e sobre as circunstâncias da morte do pai. Ela é baiana.
- Não diga!!! Nós vivemos numa ditadura travestida de democracia, querida... Então vá lá... me conte...

...Sempre depois das conversas com seu Inocêncio o silêncio tinha cor. E o ânimo tomava conta da casa.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

antes de sempre.

o som abafado da madrugada
de lua vermelha no céu


:silêncio:


de palavra
lembra
me-nos
o que não quero entender.
e deixa começos pela metade
e a sensação de fim em tudo.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

descobertas

Ontem eu estava muito cansada. Exausta eu diria. Fiz uma busca no Google sobre sindicatos e história do Brasil. Como não encontrei nada que realmente valesse a pena resolvi buscar um nome que é referência neste assunto: Maria Célia Paoli. Eis que dei de cara com um blog. No senso sociais. Bom, passei algum tempo rindo à toa. Na verdade gargalhando. Meu cansaço passou e minha energia renovou-se. Relembrei algumas coisas, fatos, pessoas, histórias, lugares que fizeram e fazem muito bem para mim. Deixo a dica. Vale uma chegada lá. No senso sociais. (http://www.nosensosociais.blogspot.com/)

As coisas continuam as mesmas desde a chuva de verão que destruiu o teto de vidro da biblioteca das sociais. E nós, alunos e professores, passamos horas retirando os livros numa brincadeira triste que parecia ação de ajuda humanitária retirando alimentos de caminhões para levar aos pobres e necessitados. Depois os meses de secagem. Todos os livros abertos e ventiladores ligados o que deixou a biblioteca fria. Nessa ocasião a graduação tinha o mesmo tom. E as aulas de etnologia indígena brasileira eram tão odiadas quanto as aulas de etnologia áfrica subsaara. E eu era freqüentadora assídua das duas tanto que virei piada. Quando perguntava: - por que não fui a esse lugar com vocês? o coro cruel de amig@s dizia: ‘ah..estava assistindo aula da Dominique, o totem do dep. de antropologia.’ Eu suspirava - Ai eu adoro a Dominique. Após leitura constatei: as professoras do dep de antropologia continuam com um gosto duvidoso para moda ‘faxion’. Os professores do dep. de política ainda são os maiores fura-greves da história acadêmica do mundo. E ainda existem disciplinas que não existem. E créditos fantasmas. Os ‘prof.dr.’ e os ‘pós-doc’ continuam odiando a graduação. A Maria Arminda, intrinsecamente falando, continua um luxo. a prof em questão era conhecida por Barbie Marx, e isso prejudicou minha formação acadêmica. como ser aluna da maior perua de sampa na disciplina mais séria e importante (para uma ultrapassada estudante de ciências socias) sociologia III - MARX - ai, contradição, pura... E o super ‘gabi cohn’ continua fazendo até eu me matricular em política clássica, eca!!!! – de hoje em diante esse é meu blog de auto-ajuda. enfim muita gente nova mas as mesmas ideias.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

impeço de ver o breu que cega
cego:
para que ele saiba mais a luz
peço corpo de homem
morto
para as horas que me conduz.
lembro tarde de uma hora saudade
de quem nem sei,
revejo cruz.
leio vozes grafadas
no chão de terra
contrapeso (piso) de cascas que me impus
parecem limpas, lapidadas,
de horas aprendidas, sem quaresmas, finitas.
em penas que a lógica implica
na falta que resta para o fim de mais um dia.
tarda domingo tarde.
bem lento:
espero sem promessa

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

circulares

Escreve os arcos
nas passagens de tempo
em mim.
círculos repousam na frágil manhã
de rituais subterrâneos, cotidianos,
jazidos de flores adormecidas
artefatos imprestáveis
produtos violados, recriados por gente
paralelas fronteiras de acasos
óbvios em mim.
talhados na aroeira

marca o ponto certo
sela o ponto cego
de cercas em mim

Pense o tempo em seu mistério
e fim.
traduzido em jogo livre
de palavras

que não alcança
os pés dos ponteiros marcados de hora
ajoelhados para ir embora
e para esquecer tudo o que tem começo e fim.
conforta-me o relógio em punho
a marcar minha vida de atrasos e adiantos
horas, oras, oras
maltratadas pelas tardes de domingo
de tédio
manso
a recriar horas, horas, horas, e(n)fim...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Propriedade.

A quem pertence às ‘coisas’? O óbvio esclarece: Os objetos a quem comprar. A terra a quem cercar. Os livros a quem escrever. As horas ao relógio. O deus ao crente. O filho a mãe. A mulher ao marido. Bom, agora que está tudo no lugar o conforto e a tranqüilidade me pertencem. Este assunto muitas vezes se apropria de mim. Nesta semana encontrei pela frente histórias que não me pertenciam, mas que a mim falou, cantou motivos para pensar em pertencimentos. Uma delas era sobre uma moça jovem que escreveu um texto e vendeu as palavras a alguém. Vendido estava e não lhe pertencia mais. Não assinava mais seu nome; não reconheceriam mais como seu, enfim. Embora ainda fossem suas as idéias e sua a seqüência das palavras e as escolhas por essas. Também o jeito de pensar através daquelas palavras e organizá-las em uma seqüência com sua própria lógica, e esta mesma impregnada de sua história. O valor de algo está na história de quem produz. Li em um texto isso. E o assunto em questão era objetos confeccionados por artesãos, mas o que isso me informa sobre a propriedade da coisa, considerando que venderei por um valor que me pertence, algo, a partir daí, não mais pertencente a mim. A outra história foi uma mocinha apaixonada que me contou, ela disse: ‘meu amor é dele. Dei todo o meu amor a ele’. - Mas ele queria seu amor? ‘não é esse o caso mesmo que não queira será dele. ’ (tem momentos como esse que zera o trançar das idéias a respeito de um tema. é uma barreira e não adianta tentar ultrapassar porque o pensamento não encontra saídas e o breu se mostra). Mas vamos lá. Quanto mais consigo marcar algo com o que sou mais isso me pertence. Tanto de dentro, ou melhor, da essência daquilo que nasce em nós, quanto de fora ou daquilo que significamos a partir da nossa história. Quando falamos assim: - essa música é nossa. Óbvio que não necessariamente a autoria da composição. Ou a compra dos direitos desta, já que mundo criou a possibilidade de fazer o que nasce em mim propriedade de quem compra. Mas é o significado que dou a ela e a maneira em que ela conta a minha história ou a nossa que faz dela minha. Os sistemas políticos e econômicos que estudei até aqui têm esta como uma questão a ser articulada e a partir disso estabelece diferenças essenciais entre eles. Mas não quero falar disso, quero falar do meu, minha, muito próximo. Procuro quase por motivo transcendental não deixar nada no meu nome, sou uma desapropriada de coisas. E tenho pressa em entender, portanto pergunto: Comprar não faz algo me pertencer, primeira história (?). Não desejar algo como seu também não faz disso algo não seu, segunda história (?). No entanto tenho medo que algo pertença a mim. Isso me obrigaria apropriar-me dele, deste algo. E vice-versa. Então, sem sentido procuro fazer coisas que inspirem a significar coisas que faço, talvez, isso me faça imaginar que me aproprie destas sem pertencê-las.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

empilhar palavras.

sua, vontade
gela, suave
desenha, lábios
escorre, corpo
caminha, espera
(im)pele em mim
toca, tempo
contrários.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Te perdôo por te trair*


Eu não aceitei suas mentiras por vaidade. Não silenciei em mim a mágoa por vaidade. Abri mão da possibilidade de estar com você, por vaidade. Manipulei sua traição. Premeditei a sua mentira. Controlei seu pensamento. Cobrou horizontes em mim e me deu de presente meu limite, estancado, teu reverso ampliado. E a necessidade de controlar era maior, por vaidade. A possibilidade de amar sem prisões ficou a espera de um amor que não existiu. Porque não me pensou diferente, e nem eu a você, não acreditou que pudesse(mos) apreender outra maneira de amar. Ao não pensar seu limite em outro horizonte, refez para mim o meu, e eu igual. Pequenos: somos. E eu fugi, porque não sei se seria capaz de tanta liberdade – não saberia o que fazer dela. Não sei o que faria com o que mais desejo. Talvez fosse um desastre, sofreria (...) (re)pensar tudo isso desgastaria aquilo que gostaria de ser, e jamais serei por completo. Então a ânsia da possibilidade me faz melhor. Ficar a espera da perfeição me conforta, por enquanto (...)
*trecho da música do chico buarque - 'mil perdões'.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

sonho
não consigo destruir essa palavra,
não vejo horizonte para ela,
não enxergo com os meus olhos pequenos.
quando canso sinto a minha boca maior do que é. mas sei como ela é. então sentir não transforma a minha boca. minha nuca adormece e choro fácil, frágil e dolente. e me pergunto:
de quantos rios é feito um mar?
de quantas pedras um altar?
de quantos desvios uma estrada?
de quantos eus um você?
de quantas ausências um olhar?


não sei. sei.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009


Quanto mais distante daquilo que pensa ser, tão perto permanece da essência do ser. Ao aproximar do que pensa não ser, o ser se liberta. E recria-se arte. Quanto mais perto estamos do que devemos ser, mais prisioneiros da distância, da essência, do que somos. O vazio da manhã clara afugenta o inexato do dia.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

os jornais empilhados esperam o recorte.
o corte da morte
a festa de porte
a fresta do dia.
notícias - transfiguram,
queimam com a leitura.
distraídas escolhas
atraso, durmo, desespero, trabalho: noturno.
a sala é fria e vazia.
o banheiro convida sem pudor
pra mais um dia.
livros dormem, coloridos,
na estante da margem do dia.
as mãos que furaram a parede oferecem com a boca seca de pinga
uma figura de
homem

e uma sensação de medo de esperar por mais um dia.
: lamenta :
os olhos esbugalhados e a alegria amarela do sorriso da menina...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

(teus olhos vermelhos)


o cheiro da chuva no chão seco de pó.
lembranças, canelas, rapaduras, esperas, trivelas,
embaçam denso as cores que suam o ar
em fronteiras verticais
a chuva oleira tece sons
pingo por pingo d’água
no canto da coruja discreta
vizinha de janela.
dá arrepio
as portas fechadas dentro de mim
fechaduras, ferraduras, ossos presos a carne e sangue
represas de afetos, possíveis fetos
(anunciando o mundo em mim)
ciclos mensais, constâncias que distraem
odores, sabores, dores sazonais
e sem querer no meio do nada
sentir (...)
o caminho do líquido vermelho, tinta sangue,
(a desenhar desejo)
ao pintar a parede de casa
ao pingar no chão
ao sujar minha mão
enfim, ao escorrer de mim.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

barquinho de papel


um barco de papel
quase vira um chapéu
quando nas minhas mãos
o desfaço
em caminhos de muitos passos
navega em desacordo com o tempo e
dobra a forma em descompasso.
(rimas proibidas eu faço)
verbos de fronteiras que moldam
as dobras em compasso.
no chão frio da sala velha de casa
liquefaço na memória primavera
dobras duras
na alma de papel.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

como alguém que chega
e não entende nada
impõe:
seu amor; seu pensamento; seu querer.
como alguém que chega
e não entende nada
esquece dos outros nas horas
que alguém inventou
para esquecer de outros.
cumpre a sina
o medo
a raiva
sente na boca o doce amargo dos seus elos
sem vida,
com tanta vida.
sobre você
um eu
que não entendo.
(me lê para mim.)
depois conta com cuidado quem sou.
alguém que chega
e não entende nada.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

desenha para mim...


Era uma vez um lugar onde as mulheres apanhavam. Era um problema. Bom, agora, isto é (era) um problema. As mulheres que apanham não trabalham adequadamente, não tem uma vida social comum, não conseguem desempenhar com sutileza o papel de mãe, mulher, entre outros ...sem contar que muitas tentam o suicídio, além de re.produzir essa violência com os próprios filhos. Dizem que sofrer violência deste tipo transforma algo a respeito dos valores e sentimentos... Violência seria um meio não ‘civilizado’ de resolver um conflito. Ou melhor, quanto maior a dificuldade em legitimar um poder maior a violência empregada para (...). Assim... Os dirigentes do lugar reuniram-se para pensar o que fariam para melhor adequar essas mulheres em conformidade com uma vida social ‘normal’. Descobriu-se depois de muito estudo que já existia uma forma de fazer isso na cidade vizinha, lugar mais desenvolvido. Lá existia um lugar que ‘acolhia’ essas mulheres há algum tempo. Organizaram então uma comissão para cuidar de assuntos sobre as mulheres que apanham. Mas existia um problema. Essa comissão de mulheres que não ‘apanham’, aparentemente, e se organizaram para resolver os problemas de mulheres que apanham não chegava a um acordo. O principal problema era provar que as mulheres (apanham) precisavam de um local, seguro, discreto, aonde poderiam receber um tipo de atendimento e apoderar-se de uma situação para livrar-se de tudo o que não desejavam para si, mas antes precisavam descobrir o que não desejavam para si. Esse lugar, além de ser um lugar, (e não um fast-food para atender pobres com direitos violados) (ah... apanhar do marido é ter um direito básico violado, isso! essa mulher que apanha, apanha do marido... essa violência chama-se violência de gênero, porque assim ficou convencionado por um grupo de mulheres que pensam sobre isso, (...e eu não sei se elas apanham ou não): as acadêmicas feministas). Dizem que quando a violência está intrinsecamente ligada à construção de papéis sociais de gênero - ou melhor, ao discurso cultural sobre a diversidade sexual – acho que é isso (?) ou pelo menos até aqui é isso. Merece um tratamento diferente. Enfim... Voltando à cidade do início do texto. As mulheres que não apanham ao pesquisar um local propício na cidade, em um momento da busca encontraram um lugar interessante: um centro comunitário com ares privados. Destinado a casamentos, ops, aluguel para ‘festas de casamentos’. Um lugar agradabilíssimo, tons pastéis, tudo organizado, pessoas sorrindo, enfim o paraíso! Mas para garantir um local era necessário provar que existia uma demanda que justificasse tal lugar: uma clientela boa, ou, mulheres que apanhassem. Então essa comissão foi até aos bairros, escolheram os de maior pobreza, bom, tem muitas pobrezas no mundo, mas neste caso era material. Para conversar com mulheres e ouvir destas suas histórias relacionadas a violência. E assim, justificar um local para ‘receber’ e ‘resolver’ o problema desta(s) mulher(es) que apanha(m). Sujeito nada abstrato. A solução ainda não veio, talvez não venha, talvez venha. (... continuação...)

(Joana Maria, 10 anos, redação apresentada para sua professora de quarto ano - 2009

domingo, 30 de agosto de 2009

manto azul.

Fogueira. Juiz. de nós mesmos. espero nas próximas semanas um crucifixo, vindo de terra distante. são francisco. dele me vestirei. e o olhar ensaiarei em frente ao espelho da vida, não sei ainda se de madalena ou rependida, marias. horizontes de luz, desclareei. caminho longo busco detalhes sutis refletidos na luz opaca de seus olhos. (verti o desaconchego de um lugar que não entendo.)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Léa dos meus afetos...

...para variar seu comentário me atiçou. A bandeira azul com estrelas brancas me lembrou da história recente desse lugarejo colonizado pela sul da secessão. E borrar de multicores é o que quer a menina dos tambores a história desbotada deste lugar. Que contada a um menino de dez anos me levou às fibras da bisneta de escravos que não negou nem em endereço nem em morte a sua história, jogada que foi num canto, sem tambor, de um hospital vergonha pública. O texto do menino que não conhecia o tambor nos fez pensar. A cor certa dada ao ladrão de batatas e assassino do fazendeiro empreendedor, vindo de um americano sul algodão (...) porque o assunto do texto histórico em questão era o cemitério dos Americanos aonde graças a sua força política e econômica agora poderiam adormecer em paz, amém. A vala comum cabe a alguns. Ossos jogados num canto sem história. Arqueologia é o que nos resta para contar o azul dos mortos da menina do tambor. Não menos interessante e atual foi à invasão pela nossa ku klux klan da casa do tambor menino. Então, afinal, de quanta arqueologia precisaremos (?) para o menino de dez anos estudar que em nome de um sagrado, profanou-se o terreiro dos macumbeiros, tocadores de tambor, menino. Haja resistência, saravá! (...)
amanheci com um som
tocando em mim.
meu ouvido,
escuta
paciente, a música que bate
em ritmo que desconheço.
meu peito,
gela.
meu corpo,
treme.
é quase uma dança.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

tambor, menino

saudade do seu sonho, Silvia.(a rosa de hoje)
nome de um lírio qualquer
do jardim das dores
de barro e casas invadidas de ninguém,
lugar de guerra com o estado armado.
brota ideia de alma em flor
flores e tambores,
sem tristeza: adeus,
menina dos lírios
e do tambor, menino.

linha do horizonte


senhor, livra-te do bem e do mal, amém.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

suei a espera misturada por várias texturas de suavidade. tecidas pela alma ao longo da estrada na noite fresca dos seus olhos. meu corpo é calma. doses de afetos pros que passam. ontem em mim um céu vaidoso gritou as palavras de rumo. fechei a janela. a dançar escondida uma dança que se esqueceu em mim.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

cor de nada.

Rua de piche
Nus pés descalços
Grudam sobras nos pontos vermelhos de sangue-dor.
somos rosas parks?
Que levanta a não vontade
Assentada
Uma, duas, três
Não mais que três
Vezes: e vê a morte.
das palavras trocadas da ordem
implícitas num banco de ônibus
Sem sentido
Comsentido
ou
mijamos torrencialmente o medo
embaixo do tapete vermelho
do nosso umbigo bege: cor de nada. (ou porra nenhuma)

suave

palavras costuram idéias.
nas brechas o silêncio (das idéias)
faz um seu caminho próprio.
Compondo horizontes (in)visíveis
do que enxergo no instante.
pontos cegos:
de lógica
estreita
o meu olhar.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

tudo começou quanto te pensei louca,
parei.
ao andar aqui no meio dessa poeira,
senti o tempo passar.
olhei para você e vi a ausência.
os olhos parados
presos ao vazio
a alma em refluxo
viaja em busca de sentidos,
dói sair de mim.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

fotografar

possuir o instante.
prender a forma,
amarrar o corpo em
gestos impregnados de tempo.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

jeito de pensar.

num suspiro confuso
tentou dizer
falou mais que algumas palavras
não conseguiu sentido
a aparência de falta era clara
com a agitação.
sorri.
acalma falta.
disse em silêncio: sorriso belo.
digo em palavras
belo seu jeito de pensar.
sorriu, tranquilo.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

uma mulher. um abismo. as pernas soltas num balançar. ao lado uma gaiola. seu dono pássaro preso a ela. (aflita) sonhou que caiu. pensou no pássaro e na sua gaiola. sentiu pesar.

Não consigo falar de amor.

sutil ser
ia
se pudesse
perto de você
estar.
amar até o fio
desconectar.
o nunca existe,
preso a ver.
amanhã: tal,
vez.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Etnopoética*

Escorri o medo da vida
No receio da (des)esperança.
Corri dos anseios da espera ao
Misturar no mesmo lapso:
Pretérito e futuro
do presente, nascido nas horas distraídas do acaso.
limito-me a tempos de verbos existentes.

Num caminho já feito de horizonte vertical
Grito meu erro
escuro eco
E não há muro que não me escape
pois é nos vãos da prisão que encontramos as fronteiras da liberdade.

Poesia: exercício de pensar.
Desconstruir o breu da certeza.
Desregrar a alma...

*A primeira vez que ouvi este termo foi em um texto de antropologia, vale "a pena": O fétido odor da morte e os aromas da vida. Poética dos saberes e processo sensorial entre os Piaroa da bacia do Orinoco (Joanna Overing)

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

lembrete de geladeira.

Há pessoas que apanham por terem razão.
Há pessoas que são objetos da produção.
Há livros que são queimados.
Há verdades que são inventadas para legitimar o poder pelo poder.
Há estratégias que são pensadas para que alguns não sejam ouvidos.
Há apelos que nunca serão ouvidos.
Há injustiça no mundo.
Há. (Porque estamos 'cegos humanos'. E temos medo de perder coisas através das quais significamos nossa mísera existência.)
Há pessoas que usam adequadamente a língua portuguesa.
Há realidades modificadas em nome da vaidade.
Há objetos que valem mais que seres humanos.
Há seres humanos que matam.
Há fome.
Há leis injustas.
Há pessoas que gritam e apontam seus dedos para justificar seus argumentos.
Então, há!





quinta-feira, 6 de agosto de 2009

através dos olhos

essa noite tua imagem me perseguiu. através dos olhos quase dormidos as cores mostravam seus movimentos. a imagem vinha sem sombras. alguém fechando a janela de algum lugar no fim de tarde. e em seguida organizando os objetos em uma mala. os objetos eram nítidos. não queria ver, insisti eu mudar o rumo do pensamento. mas ficava ainda mais claro. até som eu ouvia. e a sensação era a calma reluzente. tranquilo o jeito de puxar a cortina da sala de não sei onde. nem de quem. e a voz que vinha do silêncio dos gesto dizia suave: existe tanto a saber e sentir. deixei seu caminho delicado terminar sozinho no meu pensamento. como um filme quando as letrinhas compassam na vertical e estamos com tempo para ver a última gota de palavra.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

objetos de brincar

Eu colhi café.
era uma brincadeira fácil
:batíamos no eixo do pé e os grãos do chão re-colhíamos em saquinhos.
a idéia era vendê-los para comprar uma bola.
Com algodão é igual.
Ele não é branco na hora da colheita.
machuca os dedos numa mistura de suavidade e espinhos.
E galhos secos.
a saca é grande.
e tem pessoas que molham o algodão na hora da pesagem:
para ganhar mais o dia trabalhado, em arroba.
achava estranha essa história de enganar
um vigiava o outro.
sempre quem trabalha-trabalha para alguém.
e tem nas mãos instrumentos de resistência
que permitem ambíguos:
(des)caminhos.



terça-feira, 4 de agosto de 2009

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Num lugar

Um artista foi convidado a representar a idéia de uma cidade. E faria disto um portal. Ele exagerou na não-cor e no não-símbolo, todos o julgaram. As mulheres não abriam mão da beleza comprada, exigiram esculturas mais magras. Os homens optaram por símbolos mais precisos que fossem capazes de narrar à história oficial com teares religiosos. O artista que por aqui não estava, pois recebia um prêmio em Paris, foi avisado que deveria voltar para as correções: uma cirurgia estética nos corpos, a tal lipoaspiração; e um tapa-buracos na história. A obra agora retrata a cidade. Retoques moldados pela necessidade do olhar. Inversão. Eu, particularmente, evito passar por lá. A sociedade debateu a questão em um jornal regional que não leio. Antes era um hábito visitar museus e exposições. Ligo isso ao período de faculdade, mas não somente, a proximidade com minha tia Fátima e os passeios que fazíamos juntas no centro de São Paulo foram essenciais para despertar meu interesse. Olhar apura o olhar. Hoje meu lugar é outro, a Rua Carioba e o bairro Monte Alegre fazem parte do meu roteiro, às vezes caminho por lá. Gosto ainda de admirar-observar obras de arte em catálogos de banca de jornal 'em promoção’ que trazem algumas imagens. Descobri “Klimt” em uma banca de jornal. Heresia artística. Mas das visitas feitas aos museus ficaram imagens presas dentro de mim, das que vi com todos os sentidos, ligadas ao espaço das ex-posições, produzindo uma linha seqüencial de olhar, imposições. Dalí na entrada ao lado de Andy Warhol abrindo um corredor que terminaria com ‘O grito’ de Munch, todas separadas fragilmente por uma parede falsa. Dispostas geograficamente sem-arte em feiras de cultura. As esculturas do Rodin estão pichadas e misturadas na minha memória por inscrições encontradas no muro ao lado da pinacoteca. São apelos, poesias, rabiscos, desenhos, enfeites prosaicos lidos nas seis horas de fila garoa na sala de espera de arte, profanada. Imagino morar ‘num lugar’ aonde os olhos aspirem arte. E não lipoaspirem.


O amor reside nas fendas do pensamento: inútil. E pronto. Mas desconhece destino. Porque todos os horizontes me parecem iguais. O que mudo, muda, é o olhar. Um odor no ar acompanha uma estética desavisada de uma beleza vendida. De fácil compra e preço fragilmente alto. Com valor a pensar. Os olhos embaçam com a chuva lá fora um caminho que me passa frio. Amor. Há sujeira por todos os lados da rua. Buracos inundados de gente que se esqueceu no chão. Nenhum igual. Mas todos em mim. O eu perdido em outros. Desconexas palavras em desacordos de vontades. Somente certezas autoritárias a impedir clarões de pensamento. E o amor, na inutilidade da sua existência, continua nos interstícios da vida a ligar caminhos.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Espelho

O som refletido no espelho
Cria imagens que não entendo
De vozes roucas sem sentido que cantam músicas iguais
no mesmo tom.
Sempre.
do meu ouvido vinil riscado, sae notas musicais: desenhos coloridos.

escorrem como num ralo (a)o vazio,
pedaços de músicas que você canta para alguém.
Ouço não vejo. mas a cor e a forma são claras.
Quando olho para você,
sinto o escurecer do seu olhar triste, doce de mel,
Um realejo toca o começo de uma rima qualquer para te ler à sorte certa.
Mas você não existe.
Desdobra o ser em nenhum.
Como um restaurador, sem as mãos do gênio, a arrancar as cascas
Retintadas.
Por cima da obra, simples que amo, de arte.


domingo, 26 de julho de 2009

Cê.

"que cê tem, mãe?"
Tô com toc, amor...
Toque e me rele, por favor.
"engraçadinha".

quinta-feira, 23 de julho de 2009

+

está difícil escutar o som da minha voz.
Eu ando tão sem dentro.
E o fora parece passagem. Aragem.
Agora isso me faz lembrar pastagens.
E mudo de rumo. Lembro do dia que cortei meu joelho em um caco de vidro, quando ao ajoelhar na grama, do pasto, senti dor e vi meu sangue. O céu tão azul e as nuvens brancas, borradas do vermelho aparecem misturados na minha cabeça de lembrar. Muitas cores, paragens. O lugar declinava e no meio um riozinho tímido, córrego de alguém. Era proibido e de existir tirava o sono. As árvores de dentro, pomar, eram de outro sabor, íntimas, fáceis de subir. Poncã, cheiro bom. Goiaba, textura macia. Jabuticaba, árvore acessível aos pés. Manga, proibida. Casa grande com algo a não compartilhar. Cerca arame separa os quintais das casas brancas que dividiam a colheita, colônia. A brincadeira era ficar na larga e passar de uma casa a outra em bando. Os meninos cuidavam dos obstáculos. Eu era a menina da cidade. E do bambuzal, som. Num bueiro de terra clara e grãos soltos todos deitados cansados inventando histórias de terror, antes do sol se pôr. Sujos e famintos o banho e a cama eram a oração final: amém.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

(musgo)

A cada pedaço de sílaba
Alguém a pensar-sentir
Exposto interior.

Fratura além do osso
o sangue que quente
a carne gela.


Se-mente em constante inconstância
Diferente mente
Cada um vale
O vale que pesa
No corpo que cai.

Ponto, cego.
Enxergo além da sílaba: o som
(antes de existir a música)
Essências em símbolos
Grafados por gestos
Sentidos 5x ao infinito
Medidos no eu-do-outro.
Justapostos: Res-peito, cor-ação.

terça-feira, 21 de julho de 2009

sono

Sono apartado
parte insônia sonho
parte sono penso
meu medo impensável
greve do óbvio
no frio dos ossos
na carne
que treme quente de ócio.
choro coro moro
morro
saudade.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

20/07/1999

lavapés com sal e alecrim
no só nosso silêncio
de fábricas de sonhos de argila
sob um céu dolor
amanhecer
:tricotar pedaços de nuvens aprendiz
entrelaços de peixinhos
com lãs coloridas
saudade do passarinho frágil
que nos ensinou a despedida
e no fim de tarde:
observar aviões desenhados de vontades
brincar de não ser, e
ser o que somos sem medo.
amar do tamanho do céu
quantas vezes?
quatrocentas trilhões quadrilhões de vezes...

domingo, 19 de julho de 2009

amor

Hoje amanheci selecionando imagens na memória. Amanhã: 10 anos. São tantas lembranças doces: impossível colocá-las em um álbum organizadas cronologicamente ou em grau de importância. Elas vão de festas aas noites febris tão facilmente, sem dor com dor tão calmamente. Um toco de gente vestido de sol cantando – ‘nem o sol, nem o mar, nem o brilho das estrelas, tudo isso não tem valor sem ter você...’ E o hominho sendo refrescado com paninhos na noite de febre ‘com dores nos dolhos’ a me acalmar: fica tranqüila o remedinho vai resolver, mãe. A aquarela para o presente que rasgou e jogou na estrada quando ventava, nós dois paramos para recolher os pedaços e colá-los, era azul e vermelha e a mistura fez um tom lilás, tão seu. Agora não dá mais para brincar de avião (nem o moderno, nem o antigo - teco-teco) nas minhas pernas, mas o tatame ainda está valendo. No mesmo lugar nossas atuais conversas proibidas sobre a Juliana Paes – em que me põe a pensar pensando. Suas dúvidas – por que sempre escolhe o caminho mais distante? . Esse, eu (é) seu (sei) vai nos levar para Minas. Porque já fui aa Minas e todos os caminhos que vão para lá são iguais. Uma ânsia de sentido. Bússola abstrata. Como mede o amor? Com termômetro? Inventamos nossa língua esse dia e rimos muito: então, tá*. Ah ta**. (*também amo,**amor, traz amor...). A tristeza, mãe, é um palhaço sem face pendurado na parede do meu quarto. A alegria, filho, é uma flor delicada que podemos olhar da janela a qualquer hora,

quarta-feira, 15 de julho de 2009

No último inverno do meu olhar senti auto.piedade, engraçado, nunca observei que esse meu choro calado e doído no peito traz uma sutil leveza de um eu-não-meu a olhar os cantos inacabados da minha matéria com crueldade bondosa. Neste instante me julgo com a dureza da possibilidade da perfeição. Como posso sentir isso por mim, que fraqueza, despreparo, falta de cuidado comigo própria. Com.paixão aos que moram ao lado tudo bem, aliás, é assim que deve ser, por obra do que é certo sem saber. Mas a força deste sentimento refletido em mim fragiliza desampara. O choro nascido lá fora tem outro salgado, alimenta. O que nasce aqui dentro tem sabor amargo de amor as avessas, é corrosivo, destrói. Amarra e machuca a garganta, tira o ar, mata aos poucos.

Partimos o tempo
Para comer as horas
Fartos: morremos de fome.
No outono da busca
a Solidão é desejo
De conter-se em alguém
Absorver o ser
Não existir
Senão inteiro e impossível
na delicadeza da vontade

presa-arisca-sutil
Da incompletude plena

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Cela ou sela

Hoje eu fui pro-curar pa.lavras. Em geral vou no mínimo umas, em média, 30 vezes ao dia. Deve ser alguma doença nova ainda não catalogada ou já catalogada, vai saber? Tantas coisas existem sem nos darmos conta delas. Precisamente corro aos dicionários por três motivos: desconhecimento completo; esquecimento total(o mais comum); ou curiosidade em amplicar o significado das palavras, tirar delas mais que o uso comum-habitual. Dúvidas profundas quanto ao conteúdo e a forma das palavras. Outro dia diante da idéia ...Nada devia ter um nome por medo que esse nome o transforme.(Virginia Woolf) alguém pensou: talvez o nome também poderia aprisionar. Segue as c.s.elas de hoje...
dicionário
s. m.
1. Colecção!Coleção alfabeticamente disposta das palavras de uma língua ou de qualquer ramo do saber humano, seguidas da sua significação ou da sua tradução numa outra língua.
Dicionário vivo: pessoa erudita.(visão...estreita)


erro (ê) s. m. 1. Acto!Ato de errar. 2. Inexactidão!Inexatidão. 3. Apartamento, desvio do bom caminho. 4. Engano. 5. Desacerto. 6. incorrecção!incorreção. 7. Pecado, ilusão. (católico de+)
Ai, se eu pu(ouseriacomo)desse queria viver em um mundo sem dicionários.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

dente de leão

bem-me-quer, mal-me-quer...
Por que aperta a minha ferida?
Sangra e dói.
Por que aperta a minha ferida?
Sangra e dói.
Por que aperta minha ferida?
Sangra e dói.
Por que aperta minha ferida?
Sangra e dói.
As pálpebras escuras
incham vermelhas
carregam as vistas
Por que aperto a minha ferida?
Sangro
Dor.
Os nervos me doem
meu corpo me avisa
eu existo.
Não sou líquido
não sou ar
sou vísceras.
bem-me-quer, mal-me-quer...

quarta-feira, 8 de julho de 2009

vestes

Medida do eu
Medida do meu
medita a mim
Soou a medida além
até mim
no eu do eu
semmim
doeu
sem mim
Jasmim
Jaz mim
Sou, suou sim.
ode você que enxerga
enxerta - enchera -
a mim
sem ti.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Cirandar

Voltar a dançar uma dança de voltas circular. Brincar com os movimentos segurando as mãos ora com par ora sem par. Ao som de polcas alemãs, decorar os passos complexos e concatenar com o par, uma dança aprendida há muito tempo em algum lugar, em que o homem estende a palma doando a esperar e entrelaça num jogo as mãos tecidas por caminhos ritmados por uma música secular. Popular. Em seguida uma dança com pulinhos que nos faz suar e o Pedro pergunta: Já quer parar!? Em seguida aos pulinhos em círculo os pares giram como em um salão vestido de outro tempo e de outro lugar. Rodopiamos como bailarinas. E o Pedro pergunta: Nem todos que dançam são bailarinos, não é mãe? A brincadeira é trocar de par e o que mais gosto é o retorno quando a mulher em um gesto suave inclina-se a agradecer ou cumprimentar. (isso tem um nome e deve ser em Francês esse balé de nomenclaturar) Mas a emoção maior é voltar desta viagem distante e reaprender a cirandar. Tão simples dançar ciranda. Passos fáceis gestos amigos numa coletiva alegria ao som de uma Ciranda de Luz. E o Pedro pergunta: Quando é a próxima aula, mãe? Em uma breve semana, amor.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Dançar

"Não me interesso em como as pessoas se movem, mas o que as movem" Pina Bausch

Não sei por quê.

O sol secou o orvalho da manhã fria
entardeceu as horas das flores-dores
mostrou a delicada sombra (das folhas no chão)
no caminho mais longo
das árvores tristes
do céu retintado de vermelho
da igrejinha amarela
no horizonte da cana queimando
em um profano fogo
no oco do meu eu
danço ao som da mais bela melodia
sagrada e nua.
vestida de partituras que não sei ler.
no instante
quero te tocar logo.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

cheiro

Hoje: sinto o cheiro do dia.
A noite apagou a dura pena
da melancolia.
Regresso ao amanhã
de um ontem futuro.
presente no som do entardecer.
de uma manhã crepúsculo.
Dá para acontecer qualquer coisa com o que (des)construí.
Viver é bom
morrer é para poucos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

pensamento

O que fazer quando o pensamento meu pensa-me sem mim? Esperoo concluir? Impeçoo de pensar? Matoo no toco?. Todas às vezes que penso em você é assim. Dúvidas benditas surgem em mim sobre o que tenho direito a pensar-sentir. Seria excesso de cuidado? Medo? Não sei. Eu sei que não ouso chegar ao fim. Estilhaço meu pensamento em respeito a algo que não entendo: este é meu jeito de amar. Sempre que te desejo próximo me podo ainda broto. A sutileza desta sensação te ama mais. Leve como o som do fogo na noite fria. Sinto o sussuro da lágrima andarilha desenhar rios na minha face. Delicada. Seu sal adoça o dia.

terça-feira, 30 de junho de 2009

retalhos

aclara
eu
meus retalhos
cores no preto
objetos que inscrevem
como pena sentada a esperar
escrever(matéria-prima)carne
olhar o que olhas ao amanhecer
entender-te (livre-amar-livre)
empilhar palavras
sem
nexo
tocar os detalhes
sublimes
falhas
compor a vida.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

sentir

Não olho o
Nem olha a
Eu e ele
Olhamos em comum
In.comum lugar.
Sem forma
Pintei o que vi.

Na forma que amo.
Refiz desenhos que não fiz.
Aquarelas de lugares que nunca cheguei.
Sem ti.

desforma vis-(à-vis)

derrete na cor igual

delicada mistura do mesmo vermelho e azul

de um tom aprendiz.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Era uma vez...

"Asas cortadas
Meu pai desenhava pássaros,
Os pássaros que eu pedia,
Mas seu filho não mais pede
Os pássaros de outos dias!
Meu pai não mais é
O mesmo pai de tantos dias,
E seu filho, sem fé,
Já não traz mais alegria!
Não há imagem, não há voz
Meu pai procura pela sala,
Procura filho que se cala
Entre tantas sepulturas,O filho ora, procura qual a sua,chora por deixá-lo a sós..."Chico

Era uma vez um amigo que todo dia me entregava uma poesia. Durante quatro anos isso ele fazia. Eu lia conversávamos sobre as minhas dúvidas e rebeldias pois eu não as escrevia. Guardava sempre no meio do livro/caderno da hora. Hoje em um baú de amarelados papéis... são meus alimentos, tracinha que sou... sodade do cê, bandono meu!!

domingo, 21 de junho de 2009

taquara-branca



estradas mal dormidas

lembram passagens da minha vida

do cão que late alto dentro de mim

sinto o cheiro da terra poeir(r)*ão

quando o j(g)i(ee)pe passa num carreirão

lembrando a minha solidão

sinto

os carreadores da minha vida


em que me dei inteira


(resíduos de gente ácida em mim)

durmo

as brincadeiras de criança

divididas em meninos e meninas

as estórias que contavam

de sapos que amedrontavam

os terreirões estrelados

da lua amarelada


do céu interior...

*Maria José, minha mãe, o tempo me ensinou a errar... ainda que tenha produzido 'corretores de textos' - não me adapto àquele vermelhinho que pinta o chão da palavra, continuo a preferir você.



sábado, 20 de junho de 2009

Vazio sóbrio

Sóbria vontade de você
Humana doçura de morrer
Dureza ambígua de desejar
Asa leve de voar
Pés cansados de andar
Mãos pesadas de empunhar
Ventre faminto de outro ser
Seios pingando de viver
Ouvidos atentos ao não ser
Cabeça doendo a querer
Coração pensando a sentir
O sentimento que em mim não vai nascer
"Olho" difícil de ver - minha imagem inertida em outro ser
E meu corpo um templo a esperar...

sexta-feira, 19 de junho de 2009

quinta-feira, 18 de junho de 2009

mesa

Todos sentados à mesa. Um semicírculo. Duas versões amarradas, entrelaçadas. Compostas uma da outra. Em relação dissonante. Cada qual armada com suas fórmulas de pensar. Encaixadas organizadas mentes nossas. Discurso padrão, p(o)drão. Precisamos nos expressar, gostaríamos de saber o que produzimos, por que não temos valor, ou por que do nosso desvalor em relação a eles? Exigimos critérios transparentes para as promoções, planos para (em)cargos futuros, prometemos diminuir o abstenceismo, leia-se, absenteísmo, operações tartarugas, produção-país-tropical. Calma (...) nosso namoro é muito jovem, temos que ter paciência, ainda não sabemos bem aonde colocamos as mãos, e além do mais administrativo é administrativo porque estudamos e não dá para todos. Tem que existir alguém lá em baixo, aqui em cima não cabe todo mundo. E os encostados continuarão encostados. Em encostas da minha alma encostei-me resignada. Lavrei e não assinei.