segunda-feira, 28 de setembro de 2009

impeço de ver o breu que cega
cego:
para que ele saiba mais a luz
peço corpo de homem
morto
para as horas que me conduz.
lembro tarde de uma hora saudade
de quem nem sei,
revejo cruz.
leio vozes grafadas
no chão de terra
contrapeso (piso) de cascas que me impus
parecem limpas, lapidadas,
de horas aprendidas, sem quaresmas, finitas.
em penas que a lógica implica
na falta que resta para o fim de mais um dia.
tarda domingo tarde.
bem lento:
espero sem promessa

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

circulares

Escreve os arcos
nas passagens de tempo
em mim.
círculos repousam na frágil manhã
de rituais subterrâneos, cotidianos,
jazidos de flores adormecidas
artefatos imprestáveis
produtos violados, recriados por gente
paralelas fronteiras de acasos
óbvios em mim.
talhados na aroeira

marca o ponto certo
sela o ponto cego
de cercas em mim

Pense o tempo em seu mistério
e fim.
traduzido em jogo livre
de palavras

que não alcança
os pés dos ponteiros marcados de hora
ajoelhados para ir embora
e para esquecer tudo o que tem começo e fim.
conforta-me o relógio em punho
a marcar minha vida de atrasos e adiantos
horas, oras, oras
maltratadas pelas tardes de domingo
de tédio
manso
a recriar horas, horas, horas, e(n)fim...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Propriedade.

A quem pertence às ‘coisas’? O óbvio esclarece: Os objetos a quem comprar. A terra a quem cercar. Os livros a quem escrever. As horas ao relógio. O deus ao crente. O filho a mãe. A mulher ao marido. Bom, agora que está tudo no lugar o conforto e a tranqüilidade me pertencem. Este assunto muitas vezes se apropria de mim. Nesta semana encontrei pela frente histórias que não me pertenciam, mas que a mim falou, cantou motivos para pensar em pertencimentos. Uma delas era sobre uma moça jovem que escreveu um texto e vendeu as palavras a alguém. Vendido estava e não lhe pertencia mais. Não assinava mais seu nome; não reconheceriam mais como seu, enfim. Embora ainda fossem suas as idéias e sua a seqüência das palavras e as escolhas por essas. Também o jeito de pensar através daquelas palavras e organizá-las em uma seqüência com sua própria lógica, e esta mesma impregnada de sua história. O valor de algo está na história de quem produz. Li em um texto isso. E o assunto em questão era objetos confeccionados por artesãos, mas o que isso me informa sobre a propriedade da coisa, considerando que venderei por um valor que me pertence, algo, a partir daí, não mais pertencente a mim. A outra história foi uma mocinha apaixonada que me contou, ela disse: ‘meu amor é dele. Dei todo o meu amor a ele’. - Mas ele queria seu amor? ‘não é esse o caso mesmo que não queira será dele. ’ (tem momentos como esse que zera o trançar das idéias a respeito de um tema. é uma barreira e não adianta tentar ultrapassar porque o pensamento não encontra saídas e o breu se mostra). Mas vamos lá. Quanto mais consigo marcar algo com o que sou mais isso me pertence. Tanto de dentro, ou melhor, da essência daquilo que nasce em nós, quanto de fora ou daquilo que significamos a partir da nossa história. Quando falamos assim: - essa música é nossa. Óbvio que não necessariamente a autoria da composição. Ou a compra dos direitos desta, já que mundo criou a possibilidade de fazer o que nasce em mim propriedade de quem compra. Mas é o significado que dou a ela e a maneira em que ela conta a minha história ou a nossa que faz dela minha. Os sistemas políticos e econômicos que estudei até aqui têm esta como uma questão a ser articulada e a partir disso estabelece diferenças essenciais entre eles. Mas não quero falar disso, quero falar do meu, minha, muito próximo. Procuro quase por motivo transcendental não deixar nada no meu nome, sou uma desapropriada de coisas. E tenho pressa em entender, portanto pergunto: Comprar não faz algo me pertencer, primeira história (?). Não desejar algo como seu também não faz disso algo não seu, segunda história (?). No entanto tenho medo que algo pertença a mim. Isso me obrigaria apropriar-me dele, deste algo. E vice-versa. Então, sem sentido procuro fazer coisas que inspirem a significar coisas que faço, talvez, isso me faça imaginar que me aproprie destas sem pertencê-las.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

empilhar palavras.

sua, vontade
gela, suave
desenha, lábios
escorre, corpo
caminha, espera
(im)pele em mim
toca, tempo
contrários.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Te perdôo por te trair*


Eu não aceitei suas mentiras por vaidade. Não silenciei em mim a mágoa por vaidade. Abri mão da possibilidade de estar com você, por vaidade. Manipulei sua traição. Premeditei a sua mentira. Controlei seu pensamento. Cobrou horizontes em mim e me deu de presente meu limite, estancado, teu reverso ampliado. E a necessidade de controlar era maior, por vaidade. A possibilidade de amar sem prisões ficou a espera de um amor que não existiu. Porque não me pensou diferente, e nem eu a você, não acreditou que pudesse(mos) apreender outra maneira de amar. Ao não pensar seu limite em outro horizonte, refez para mim o meu, e eu igual. Pequenos: somos. E eu fugi, porque não sei se seria capaz de tanta liberdade – não saberia o que fazer dela. Não sei o que faria com o que mais desejo. Talvez fosse um desastre, sofreria (...) (re)pensar tudo isso desgastaria aquilo que gostaria de ser, e jamais serei por completo. Então a ânsia da possibilidade me faz melhor. Ficar a espera da perfeição me conforta, por enquanto (...)
*trecho da música do chico buarque - 'mil perdões'.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

sonho
não consigo destruir essa palavra,
não vejo horizonte para ela,
não enxergo com os meus olhos pequenos.
quando canso sinto a minha boca maior do que é. mas sei como ela é. então sentir não transforma a minha boca. minha nuca adormece e choro fácil, frágil e dolente. e me pergunto:
de quantos rios é feito um mar?
de quantas pedras um altar?
de quantos desvios uma estrada?
de quantos eus um você?
de quantas ausências um olhar?


não sei. sei.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009


Quanto mais distante daquilo que pensa ser, tão perto permanece da essência do ser. Ao aproximar do que pensa não ser, o ser se liberta. E recria-se arte. Quanto mais perto estamos do que devemos ser, mais prisioneiros da distância, da essência, do que somos. O vazio da manhã clara afugenta o inexato do dia.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

os jornais empilhados esperam o recorte.
o corte da morte
a festa de porte
a fresta do dia.
notícias - transfiguram,
queimam com a leitura.
distraídas escolhas
atraso, durmo, desespero, trabalho: noturno.
a sala é fria e vazia.
o banheiro convida sem pudor
pra mais um dia.
livros dormem, coloridos,
na estante da margem do dia.
as mãos que furaram a parede oferecem com a boca seca de pinga
uma figura de
homem

e uma sensação de medo de esperar por mais um dia.
: lamenta :
os olhos esbugalhados e a alegria amarela do sorriso da menina...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

(teus olhos vermelhos)


o cheiro da chuva no chão seco de pó.
lembranças, canelas, rapaduras, esperas, trivelas,
embaçam denso as cores que suam o ar
em fronteiras verticais
a chuva oleira tece sons
pingo por pingo d’água
no canto da coruja discreta
vizinha de janela.
dá arrepio
as portas fechadas dentro de mim
fechaduras, ferraduras, ossos presos a carne e sangue
represas de afetos, possíveis fetos
(anunciando o mundo em mim)
ciclos mensais, constâncias que distraem
odores, sabores, dores sazonais
e sem querer no meio do nada
sentir (...)
o caminho do líquido vermelho, tinta sangue,
(a desenhar desejo)
ao pintar a parede de casa
ao pingar no chão
ao sujar minha mão
enfim, ao escorrer de mim.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

barquinho de papel


um barco de papel
quase vira um chapéu
quando nas minhas mãos
o desfaço
em caminhos de muitos passos
navega em desacordo com o tempo e
dobra a forma em descompasso.
(rimas proibidas eu faço)
verbos de fronteiras que moldam
as dobras em compasso.
no chão frio da sala velha de casa
liquefaço na memória primavera
dobras duras
na alma de papel.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

como alguém que chega
e não entende nada
impõe:
seu amor; seu pensamento; seu querer.
como alguém que chega
e não entende nada
esquece dos outros nas horas
que alguém inventou
para esquecer de outros.
cumpre a sina
o medo
a raiva
sente na boca o doce amargo dos seus elos
sem vida,
com tanta vida.
sobre você
um eu
que não entendo.
(me lê para mim.)
depois conta com cuidado quem sou.
alguém que chega
e não entende nada.