segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Num lugar

Um artista foi convidado a representar a idéia de uma cidade. E faria disto um portal. Ele exagerou na não-cor e no não-símbolo, todos o julgaram. As mulheres não abriam mão da beleza comprada, exigiram esculturas mais magras. Os homens optaram por símbolos mais precisos que fossem capazes de narrar à história oficial com teares religiosos. O artista que por aqui não estava, pois recebia um prêmio em Paris, foi avisado que deveria voltar para as correções: uma cirurgia estética nos corpos, a tal lipoaspiração; e um tapa-buracos na história. A obra agora retrata a cidade. Retoques moldados pela necessidade do olhar. Inversão. Eu, particularmente, evito passar por lá. A sociedade debateu a questão em um jornal regional que não leio. Antes era um hábito visitar museus e exposições. Ligo isso ao período de faculdade, mas não somente, a proximidade com minha tia Fátima e os passeios que fazíamos juntas no centro de São Paulo foram essenciais para despertar meu interesse. Olhar apura o olhar. Hoje meu lugar é outro, a Rua Carioba e o bairro Monte Alegre fazem parte do meu roteiro, às vezes caminho por lá. Gosto ainda de admirar-observar obras de arte em catálogos de banca de jornal 'em promoção’ que trazem algumas imagens. Descobri “Klimt” em uma banca de jornal. Heresia artística. Mas das visitas feitas aos museus ficaram imagens presas dentro de mim, das que vi com todos os sentidos, ligadas ao espaço das ex-posições, produzindo uma linha seqüencial de olhar, imposições. Dalí na entrada ao lado de Andy Warhol abrindo um corredor que terminaria com ‘O grito’ de Munch, todas separadas fragilmente por uma parede falsa. Dispostas geograficamente sem-arte em feiras de cultura. As esculturas do Rodin estão pichadas e misturadas na minha memória por inscrições encontradas no muro ao lado da pinacoteca. São apelos, poesias, rabiscos, desenhos, enfeites prosaicos lidos nas seis horas de fila garoa na sala de espera de arte, profanada. Imagino morar ‘num lugar’ aonde os olhos aspirem arte. E não lipoaspirem.

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eu não sonhei, sonhei.