segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

peças íntimas, cenas públicas

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Ela acabava de escolher a última peça, lilás, sem renda, e com um tecido moderno, que absorve o odor.

- A senhora vai ver mais alguma coisa? Um sutiã, um baby doll, quem sabe uma peça mais sensual. Para ficar bela para ele.

- Minha mãe não usa sutiã. Ela faz parte daquele grupo que queimou os sutiãs. Já ouviu dizer, as feministas?

Num instante o Bruno se apropriou da conversa. E continuou num fôlego só.

- Então, eu participo das reuniões do coletivo junto com a minha mãe. Patriarcado? As questões de gênero. Sabe? Ela não usa, nem adianta.

A mãe que escorreu por um corredor a selecionar uma peça íntima para prova, se fez de surda. E se desfez no meio do predominante vermelho, cor-de-rosa, e marrom. Acompanhando meio que distraída, decidindo com a atendente, qual seria a peça a ser provada.

Ele continuou ao som dos: aham, hum, ahh!, Da mocinha da loja. E algumas vezes com o balé de sim, que esta fazia com a cabeça.

- Então, eu sou o único menino da quarta série que tem pais separados. E o único que a mãe não usa sutiã. Meus amigos acharam isso muito engraçado quando contei. Ah! Deixa eu te falar: nós lançaremos um livro, uma coletânea de textos no fim do ano. Quer ler um trecho da minha redação?

E prontamente, certo do sim, foi até o provador onde a mãe estava e pegou da bolsa o rascunho num papel todo amassado.

E começou a leitura:

- "Um menino chamado Pedro estava em seu sofá entediado sem nada para fazer, tinha uma vida dura, seus pais eram separados e sempre..."

No meio da leitura a mãe perguntou por um número maior da prova. Com a negativa começou a se recompor. Voltou até o balcão e propôs:

- Vocês têm algo entre a opção mulher fatal e/ou à linha teen para meninas, e/ou a cor de pele para senhoras?

A moça estranhando a pergunta e notando a irritação da cliente respondeu:

- Na loja não temos nada.

Seca,

Pagou a conta e saiu:

Calada;

E irritada.

O filho na saída perguntou:

- Mas mãe o que seria ‘algo entre’?

- Ah, uma opção “mulher normal”. Algo que nem aperte muito, mas também que não afrouxe displicentemente. Que me dê conforto, amor.

- Nossa. Nunca pensei nisso. Seria um grande negócio para as empresas que fabricam esse tipo de roupa: lingerie para feministas!

A caminhada durou mais alguns passos até chegar o ponto de ônibus. Internamente ela sorriu ‘amarelo’. E seu queixo enrugou como de costume.

- Você está triste, mãe?

- Só cansada.

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eu não sonhei, sonhei.