terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

notícias que eu não li no jornal.

ela abandonou o lar. na sua segunda vez, foi pra calçada, com duas pilhas de caixas de sapatos. ficou lá abraçada a eles, vez ou outra, sorria sem motivo. foi localizada por amigos e vizinhos, que relataram ao postinho de saúde a frequência que apanhava:  na mesma hora do quinto dia-dia da semana de todo mês. este encaminhou pra a saúde mental. que por sua vez encaminhou pra a família. que por sua vez encaminhou pra seu lar. seu filho passa bem, ficou o tempo todo com o pai.

voltou. começou a usar a mesma roupa toda manhã. saia cinza e blusa cor-de-rosa rendada. sentava no mesmo banco, não lia nada, às vezes levava as caixas de sapatos para ficar do seu lado. sorria sem nada. um jovem passou, não era nem triste, nem belo, e ela começou a contar, contar, contar, contar, não sabe bem o quê?, histórias de uma pássaro que era a sua cabeça. e do ouro que levava no voo. suas mãos passavam pela cabeça e as rendas da bulsa dormiam de ajeitadas.

O sonho soube o ouro dentro da barriga de um pássaro. O seu voo-sonho sempre soube no espelho das águas no horizonte de suas penas. Plenas. E o voo, o seu voo, existia porque alguém um dia o soube. E porque o céu existia e não poderia ser voado por completo. De tão alto o ouro na barriga do pássaro quase não existia pra aqueles que não ouviam, ou viam. Logo o ouro do sonho retornou com o pássaro pra dentro da cabeça da mulher. E sua cabeça agora era pássaro, e todos, foram embora., Seu filho nasceu, e foi levado, também embora, por mulheres com cabeças de mulheres. Mulheres com as cabeças de mulheres ficam na janela, horas, e olham o voo dos pássaros. E sonham com o ouro das suas cabeças.

mas no último mês do ano anterior ao ano passado tudo mudou, vagou, na saúde mental. ainda sorria sem porquê,. começou a alternar as roupas, lindas, cada dia uma cor. e os sapatos foram guardados nas caixas que por sua vez foram pro armário. e não foi mais vista no banco. o médico disse: "ela só sonhou, porque a realidade estava difícil demais"...

depois de tantos por quês, o rapaz nunca mais foi visto. e ela sente saudades dele. e toda noite passa arnica, feita por seu avô, no  peito. às vezes esfrega para arrancar a dor. mas não conta, conta, conta, pra ninguém, tem medo de voltar pra saúde mental. e de ouvir de alguém que o rapaz nunca existiu.


6 comentários:

  1. É tão bonito;
    Chega a ser triste.

    o rapaz

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  2. e ela que estava na janela sorriu..

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  3. Não conhecia o 'blog'. Cheguei aqui por via de 'mal colocado'. São dois blogues interessantes. Gosto destas suas líricas, prosas e versos rentes ao chão mas vivos, às vezes cheios de luz, sentidos que nos fazem sentir.

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  4. Esqueci-me: as fotos? são suas?

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  5. obrigada, soantes,
    as fotos são da minha maquininha,
    as últimas, né?! e umas duas lá pra trás. o resto é da net, incluindo a do sebastião salgado, rs.

    beijão!

    volte sempre...

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  6. não posso concordar com o "soantes" quando disse que as líricas, prosas e versos deste blog são rentes ao chão (será que ele quies dizer POBRES?) foi o que entendi. pra mim, que tenho ideas mil, entretanto nehuma coragem para escrevê-las, ler o que outros escrevem, mesmo que não faça muito sentido (se é que algo faz) é uma viagem. penso que o "soantes" deveria valorizar mais os que os outros escrevem. uma simples palavra mal dita/escrita pode acabar com a estima de alguém que levou anos para tornar público algo que pra si é e sempre foi importante: suas ideias.

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eu não sonhei, sonhei.