quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Capítulo, anti-penúltimo

Não. Não, não sou nada disso. Pensou que pudesse, ao pensar entristecida, colocar as coisas no lugar. Se uma impressão equivocada, por ele feita, não tivesse tanta importância. Se o coração não crescesse de sentidos com uma ideia de homem que ele fazia nascer, ou talvez, se uma crença naquilo que ele insistia em ver, transformasse sua história. Não perderia tempo escrevendo isso. A sua essência era entregue como quem corta a carne e vê o sangue jorrar, sem som. Então calou uma vontade límpida de colocar tudo no lugar. E falou o que pensava sobre o que ele pensava. Mas agora o pensamento lhe importava mais do que tudo, menos que nada. E organizar esse pensamento em pontos de luz que enquadrasse uma fina vontade de somente existir, e isso é ele. Essa parte aqui., não sei dizer o que senti, não disse o que senti com clareza. Porque não sei. Ou melhor, o que ficou em mim do que pude sentir dele. Não, não falei. Porque quando disse não fui ouvida. Fui aspergida. Encabulada na sua falta. O sobressalto de laminas cortante de outros que existem, e são homenageados por isso, é muito mais importante. E a leitura é feita de tantos outros que é impossível existir num mundo que preza tanto a existência em varais alados de sangue de outras ideias. Não, não quero entender, nem traduzir. Quero o secreto de cada um, no óbvio do sentimento marginal, que descaminha as minhas sobras. Sentiu no final um jeito desconsertado de se perceber, dele se auto-perceber, lutou junto dele, para que ele pudesse no limite não se aventurar a nada, a nenhuma sensação que pudesse constranger. Coisas que não são reais, que são impressões de mim (eu) refletida em algo que não toma forma. Eu invento pra fugir, mas finjo que estou pra não partir de vez. Depois, no outro dia, logo pela manhã, retomou o diálogo e capturou das palavras, delas tirou muito mais do que aquilo que estava expresso nas suas primeiras impressões. Ele vê beleza na minha fome. E mata a sede, que nem sente, nos cantis da minha solidão. Num abismo comum.

4 comentários:

  1. "Coisas que não são reais, que são impressões de mim (eu) refletida em algo que não toma forma."
    delícia nessa leitura feita de outro, outro feito de impressões espelhadas.
    Sartrianamente existencial.
    Falo daqui, do abismo comum.

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  2. ...ainda me vejo aí...
    viajando ainda!rs
    mas me vejo.
    Adorável,
    como sempre,
    lindo!

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  3. "... mata a sede, que nem sente, nos cantis da minha solidão". Sente saudade do não viveu. Falta do que não perdeu. Espera o que não quer. Desiste do que não nunca quis. Quer o que nunca quis. Despreza o que tem. Preza o que não tem. Se vê onde não existe. Pensa onde sente. Quer quando não é. Escreve quando não deve. Termina quando seria o começo.

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eu não sonhei, sonhei.