26 de junho de 1999
P., como você sabe muito bem, nunca estive em um universo familiar, sempre me senti incomodado, quando não pelas pessoas, pela força do hábito, sempre fui manco e impus-me duros cilícios. Você mesmo já me chamou de masoquista, porém, muito mais do que querer sentir a dor pela dor, quis saber qual o limite da perfeição a que se chega com a disciplina. De qualquer forma cheguei a esta cidade. Estou aqui há uma semana. E antes que você me pergunte se consegui sair de meu mundinho, digo-te que tenho conhecido muita gente. Tipos comuns, na grande maioria estudantes apressados, preocupados demais com qualquer besteira para se darem conta desse meu olhar que clama a cada instante por uma companhia, por uma presença que me entenda sem me fazer perguntas, pois jamais saberia explicar essa melancolia espalhada ao longo da minha vida. Comprei os livros que me indicastes. Sartre é mesmo fascinante, a escrita dele não esfria um único instante, mas não deixo de achar que ele sofria de um excesso de egocentrismo, é certo, todos o temos, mas acho que ele nunca se deu conta de que não era o centro do mundo. Também comprei aquele livro do Drumond, e todos os dias, antes de dormir, abro numa página ao acaso e deixo que ele me sopre algo bonito no ouvido, e que mais tarde embarque em sonhos drumondianos. O frio chegou hoje, mal educado, não pediu licença e espalhou-se por todos os cantos. Imagino que aí esteja quente, e isso me incomoda(da), pois te imagino longe desses prazeres que casacos e cobertas nos oferecem nas noites de inverno. O apartamento é simples, pequeno, parece ter sido projetado por chineses, tudo é prático, rápido e dobrável. Quando você vier aqui, farei um truque de mágica: desaparecerei com uma cama na sua frente, num piscar de olhos. Sinto-me envelhecendo, sou capaz de notar as sutis alterações da minha pele, cada vez mais opaca, carente do brilho da juventude, transformando-se pouco a pouco numa coisa bolorenta. Você vai me argumentar de que eu só tenho 30 anos, e que estou na minha melhor forma. E eu te digo: tudo no mundo é velho. Você me entende, P.?
P., como você sabe muito bem, nunca estive em um universo familiar, sempre me senti incomodado, quando não pelas pessoas, pela força do hábito, sempre fui manco e impus-me duros cilícios. Você mesmo já me chamou de masoquista, porém, muito mais do que querer sentir a dor pela dor, quis saber qual o limite da perfeição a que se chega com a disciplina. De qualquer forma cheguei a esta cidade. Estou aqui há uma semana. E antes que você me pergunte se consegui sair de meu mundinho, digo-te que tenho conhecido muita gente. Tipos comuns, na grande maioria estudantes apressados, preocupados demais com qualquer besteira para se darem conta desse meu olhar que clama a cada instante por uma companhia, por uma presença que me entenda sem me fazer perguntas, pois jamais saberia explicar essa melancolia espalhada ao longo da minha vida. Comprei os livros que me indicastes. Sartre é mesmo fascinante, a escrita dele não esfria um único instante, mas não deixo de achar que ele sofria de um excesso de egocentrismo, é certo, todos o temos, mas acho que ele nunca se deu conta de que não era o centro do mundo. Também comprei aquele livro do Drumond, e todos os dias, antes de dormir, abro numa página ao acaso e deixo que ele me sopre algo bonito no ouvido, e que mais tarde embarque em sonhos drumondianos. O frio chegou hoje, mal educado, não pediu licença e espalhou-se por todos os cantos. Imagino que aí esteja quente, e isso me incomoda(da), pois te imagino longe desses prazeres que casacos e cobertas nos oferecem nas noites de inverno. O apartamento é simples, pequeno, parece ter sido projetado por chineses, tudo é prático, rápido e dobrável. Quando você vier aqui, farei um truque de mágica: desaparecerei com uma cama na sua frente, num piscar de olhos. Sinto-me envelhecendo, sou capaz de notar as sutis alterações da minha pele, cada vez mais opaca, carente do brilho da juventude, transformando-se pouco a pouco numa coisa bolorenta. Você vai me argumentar de que eu só tenho 30 anos, e que estou na minha melhor forma. E eu te digo: tudo no mundo é velho. Você me entende, P.?
(felipe)
bela construção do sentimento oculto, me identifiquei !
ResponderExcluirmarcos
qdo li hj de manhã não senti nada automaticamente vim até aqui e postei. o dia todo pensei no pe, hj ele me disse: "estou perdido no tempo,!!" arrumando o material logo cedo. agora depois do supermercado e de chorar entre as prateleiras lembrando de ontem. senti. tão distante...
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